3 de novembro de 2010

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Estratégia
(Um poema de Nuno Júdice, in A Fonte da Vida)

Em que limites começa o meu limite?
Entre que marcos de fronteira alguma se marcam
os extremos por onde passo?
De que ecos me são devolvidas as palavras
que não cabem nas frases em que só o amor ainda cabe?
São estas as fórmulas do princípio: daqui
podem nascer os caminhos que não acabam, ou
terminar esses becos que se adivinham num dobrar
de esquina. Aqui nos sentamos, ainda,
para recomeçar esse jogo infindável, o xadrez
em que cada peça é um fragmento de sonho,
e cada jogada um salto por entre as
nuvens. Pedes-
-me que não adormeça: mas como
resistir à estranha
obscuridade dos teus olhos, enquanto a música
dos insectos embala este princípio
de tarde? Então, levantas-te, abres a janela,
e o verão entra para dentro da sala. Assim,
pode ser que tudo recomece, que se limpe
o tabuleiro, ou se atirem as peças para o chão, e
eu te ouça sem as imposições de regras, de movimentos
obrigatórios, de protocolos absurdos no jogo
da vida (o único em que ninguém sabe quem ganha,
no fim).

R. mostrou-me este poema, bem como a Cidade dos Resmungos e não resisti em colocá-lo aqui também. Ambos me fizeram perceber porque é que às vezes não compreendo as coisas. Ao lê-lo fiquei suspensa em (...) "De que ecos me são devolvidas as palavras que não cabem nas frases em que só o amor ainda cabe? (...)". Não conseguia entender o sentido. Depois, percebi que muitas vezes aquilo que não entendo é porque não tem lugar em mim. Preconceito. Nada pode ser compreendido com a razão. Não imagino ou concebo um deserto assim, "palavras que não cabem em frases onde só o amor ainda cabe". Porque não concebo a ausência do amor. Desolador.

"(...) Entre que marcos de fronteira alguma se marcam os extremos por onde passo? (...)" - lindo!