31 de agosto de 2011

rabanetes e nabos


[actualização de 14/08/11]

Em meados de Agosto semeei rabanetes e nabos e em pouco mais de uma semana despontaram, viçosos. O nabo, quando tiver cerca de 10 cm será transplantado; os rabanetes também mas para uma leira. Aliás, até já lá podiam estar mas tenho mais controlo sobre as plantas fazendo desta maneira.

Na terceira caixa estão alfaces semeadas no domingo.

estranhos frutos




[actualização de 14/08/11]
Estranhos frutos estes. O primeiro, kiwano, kino ou pepino africano, Cucumis metuliferus, oriundo do deserto de Calaari é uma trepadora anual da família das curcubitáceas. Toda a planta é comestível, fruto, folhas e sementes, as quais possuem propriedades vermífugas; depois de moídas e transformadas em pó pode fazer-se uma emulsão com água e consumir-se. [1] Não o temos por cá mas, segundo li, já é plantado em Portugal. O que me atrai neste fruto é a casca já colocada a secar, o sabor nem por isso. As sementes também vou guardar mas tenho dúvidas se as irei semear. A introdução de espécies exóticas é uma questão a ponderar, sempre, pois as implicações ambientais podem ser imprevisíveis. Uma delas pode ser a introdução de insectos sem predadores, transformando-se assim em novas pragas.

O segundo fruto, luffa - Luffa - foi a única planta, das quatro que me deram, que frutificou. Ainda só tem um único fruto (e é só dele que necessito para guardar as sementes) mas não sei se irá sobreviver. Parece-me já muito tarde.

28 de agosto de 2011

final de Agosto





flores ❀ (25/08 e 26/08)
Colhi sementes de funcho, calêndula e cenoura. Tratei das sementes de abóbora hokaido, provenientes de uma abóbora biológica comprada, e de tomate. Quando digo tratar é ver se estão bem secas, sem fungos ou furos para poderem ser armazenadas. Na imagem, da esquerda para a direita, sementes de cenoura e respectiva umbela, abóbora, funcho e umbela ainda com sementes, e deste tomate. Foram também mais calêndulas para a terra que, segundo li, se podem semear em Setembro e Outubro, para além da Primavera.

folhas ❧(27/08 e 28/08)
Hoje semeei alfaces (não sei se de inverno), aipo, salsa, coentros, manjericão (não é altura mas vou experimentar), mais calêndulas e ainda transplantei couve portuguesa que nasceu espontânea.
...

O padrão das calças que comprei no mercado anual de Grândola - seis dias seguidos de feira - que termina já amanhã. 'Escapei sozinha' para poder ir à vontade, andar ao meu ritmo e espreitar as bancas sem pressa; fazer a estrada da serra com a minha música e passar para outro mundo. Que bom! Depois no sábado fomos todos juntos e ainda trouxemos alguns cabos para ferramentas, mas feirar feirar é mesmo sozinha.
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Uma pasta de amêndoa com alga kombu. De sabor e textura entre o requeijão e o queijo de barrar. Pura delicia!
...

E voltei a fazer mais espuma de barba e creme depilatório, que entre si só diferem no nome. Desta vez utilizei o óleo de calêndula que fiz no mês passado e algumas gotas de óleo de alfazema, também feito em casa. A receita melhorou e estamos fornecidos para os próximos três meses.

22 de agosto de 2011

presentes



Presentes da horta: Paté de grão que a A. comprou para oferecer a uma amiga e que têm sido sucesso, principalmente o de grão cru germinado. Durante a semana passada encomendas de cestos da horta. Quando parece estarmos a chegar ao fim de um ciclo o nosso olhar é surpreendido por um manjericão a nascer aqui, beldroegas ali, o melhor dos figos pingo de mel, agora, e sementes, muitas sementes para renovar os ciclos. Presentes da terra. A vida.

calêndulas ou maravilhas




Gosto de observar a passagem dos ciclos pela terra, o fim e o principio - ou ao contrário, se quiserem.
Colher sementes de Calendula officinalis para semear na próxima Primavera.
 O ninho dos melros que já partiram, faz tempo, tão bem construído (com "alcatifa" e tudo, como diz o R.). Preparar mais óleo de Calêndula que irá ficar a curar ao sol como aqui.

17 de agosto de 2011

colher para semear, secar para armazenar





Colher sementes de tomate para semear no ano que vem. O processo está explicado aqui mas a Zília disse-me que costuma congelar o tomate e no ano seguinte, depois de descongelado, retira as sementes para as semear. Embora mais trabalhoso, prefiro este método. Depois de retirar as sementes coloquei os tomates a secar.

Será o primeiro ano que vamos experimentar secar alguns legumes da horta. Começámos com os pimentos, agora os primeiros tomates e um pouco de abóbora Hokaido. Os alimentos, para serem secos ao sol, devem ser colhidos frescos e preparados rapidamente para a secagem. À noite recolhem-se e no dia seguinte voltam ao sol, até secarem. Não devem ultrapassar o limite de desidratação, cerca de 15% de humidade. Utilizo uma faca com lâmina de cerâmica. Comprei-a, principalmente, para cortar as ervas aromáticas pois impede a oxidação mas, agora, corto todos os legumes com ela.

Aproveitei umas molduras velhas para fazer o secador, composto por vários tabuleiros sobrepostos onde, em cada um, fixei um tipo de gaze. O ar circula, a luz entra, mas os insectos ficam fora do processo.

Ao jantar uma tarte crua de quinoa e lentilha cor de laranja, germinadas, recheada de tomate, cebola, aipo e polvilhada de alho, azeite e sementes de sésamo. Chamam-se agora, mais precisamente a L. que inventou 'As árvores de canabás', de 'crueira' ":O
,,,

15 de agosto de 2011

como é o teu olhar?





árvores de canabás


- É ali, onde são as árvores de canabás?, pergunta L., a minha prima pequenina de 8 anos, sobre algo que já não me recordo.
- ???! Árvores de canabás ??? O que são as árvores de canabás?, perguntamos nós.
- São aquelas árvores que se vêm lá ao fundo, responde ela prontamente.
- Lá ao fundo são sobreiros, dizemos nós. Árvores de canabás? Porque dás aos sobreiros esse nome?
- Porque são árvores que têm junto ao tronco uma caninha.

Depois percebemos que  quando estiveram a plantar sobreiros, marcaram o local de cada pequena árvore com canas. Assim ficam mais visíveis para nada nem ninguém lhes passe por cima. Na foto estão longe e mal se vêm as canas, mas estão lá.

Talvez os sobreiros, um dia, venham a ser chamados de  árvores de Canabás ":)

14 de agosto de 2011

a pele da terra





Desorientação total. Fico assim quando quero controlar tudo e percebo que não controlo nada. A horta cheia de erva; os dias de plantação a correrem, no calendário, e as sementes a não irem para a terra; preparar a casa de banho para o inverno, algo que tem corrido mal pois cada coisa que decido empreender me leva a um beco sem saída. Pessoas a irem e a virem, querer estar com elas e tudo isto a rodar na minha cabeça. Decidi parar e começar pelo que, no fim, me corre sempre pelo melhor: a horta.

raízes ❢
(calendário biodinâmico)

Plantei umas podas de batata doce numa das camas dos feijões, como costumam fazer aqui com a batata vulgar. Já vai tarde para esta cultura mas espero que resulte. Se até espinafre selvagem me nasceu em pleno Verão... ":)

Limpei quatro camas, caminhos - que tapei com cartão - e plantei as podas de batata, já muito raquíticas pelo tempo que esperaram por terra. A batata doce costuma ser plantada em Maio, estamos em Agosto - a sorte é dos audazes ":) - mas também só chegaram há duas semanas.

A única flor de Luffa das quatro plantas que me deram. Transplantadas em Maio acho que já deveriam ter fruto e não flor. Não sei o que será ??! Por fim, nabos e rabanetes em viveiro. Os nabos, a variedade que semeámos - nabo de Milão - pode semear-se durante o mês de Agosto e Setembro.

Mas o mais importante foi perceber que o solo não me parece estar a recuperar, muito pelo contrário. Falta-lhe matéria orgânica, húmus, pele. Para isso precisa de mais sombras; cobrir o solo ajuda mas não é suficiente. Já tenho planos para Outubro, com o desenho de uma nova horta, e se tudo correr como espero na Primavera as mudanças já serão visíveis.

Ah, e ali ao fundo, do lado direito (primeira foto), muito altos, os tupinambos. Lindos!

12 de agosto de 2011

a vista da minha despensa





A vista da minha dispensa, com as sementes, grãos, frutos secos, tomate seco, entre outras coisas, que utilizo na minha nova alimentação. Um dia destes encontrei a Varanda Viva, e assim como a casa dos meus sonhos, esta é a cozinha dos meus sonhos. Em Portugal será difícil ter uma cozinha toda aberta mas... quem sabe... Foi nesta pesquisa que também encontrei a ideia dos frascos, pendurados na prateleira, mas já não me lembro onde.

Feijão mungo germinado, sementes de girassol quase germinadas e sementes de linhaça a germinar. Depois mostro o que fiz com elas ":)

Sementes para guardar e semear no ano que vem. Só o trabalho que dá debulhar não compensa o esforço, a não ser pela preservação destas variedades.

- feijão encarnado (numa cama de 10 metros) = 3kg
- feijão de vinhais (numa cama de 10 metros) = 1,5 kg
- feijoca ( cerca de 8 plantinhas) = 600grs*

* Penso que a semente inicial devia ser híbrida, a planta vai degenerando e dá cada vez menos vagens.

10 de agosto de 2011

"O homem que plantava árvores"


(...) Antes de partir, molhou num balde de água o saquinho que continha as bolotas que tão cuidadosamente tinha escolhido e contado. Notei que, em vez de um cajado, o pastor levava na mão um varão de ferro da espessura de um polegar e com metro e meio de altura. (...) O seu destino ficava uns duzentos metros mais acima. Tendo chegado onde queria, começou a espetar o varão de ferro na terra. Fazia um buraco onde punha uma bolota, que depois tapava com terra. Ele estava a plantar carvalhos! Perguntei-lhe se o terreno era dele.  Respondeu-me que não. Se sabia a quem pertencia? Não sabia. Para ele, era terreno comunitário, ou talvez fosse alguém que não se importava com ele. Para ele não era fundamental saber a quem pertencia a terra. Com todo o cuidado, semeou as suas cem bolotas. (...)

Ele levava o seu plano avante, como era evidente pelas faias que me chegavam aos ombros e se estendiam até onde a vista podia alcançar. Os carvalhos estavam robustos e tinham ultrapassado a idade em que estavam à mercê dos roedores. (...)

(...) Foi a mais formidável reacção em cadeia que jamais presenciei. Era preciso recuar até tempos muito antigos para se ver água a correr por estes riachos. (...) O vento também fazia a sua parte, ajudando a espalhar as sementes, pelo que, ao mesmo tempo que reaparecia a água reapareciam os salgueiros, os vimes, os prados, os jardins, as flores e uma certa razão de viver. (...)


in O homem que plantava árvores, de Jean Giono, 2010, Far Far Away Books
pág 13, 20, 21 e 22

baseado no texto original
"L´homme qui plantai des arbres" de Jean Giono, 1980, Editions Gallimard

Uma história que se lê em trinta minutos. Para quem tem filhos, uma história que se lê em três noites. As ilustrações, de Vanessa Capela, são lindas e inspiradoras. Neste livro não são precisas etiquetas - agricultura biológica, permacultura, ecologia - só alma. Adorei!

8 de agosto de 2011

saborear ♡ observar ♡ guardar




Depois de um dia de trabalho, com um mar cor de esmeralda em fundo. Colocar o feijão a secar após 2 dias de congelador, para eliminar algum gorgulho que por lá andasse.

O jantar, uma fatia de 'pizza' crua (massa de quinoa germinada e grão, recheio de tomate e cebola da horta), salada de rúcula e arroz integral germinado (cozido). No fim algumas physalis que não calharam lá muito bem. A 'sobremesa' melhor foi observar um mocho galego a caçar ":)

Um dia cheio mas que guarda ainda energia suficiente para ouvir St Germain, numa das músicas que mais gosto.

7 de agosto de 2011

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Depois de um parêntesis na minha vida, um vou ali e já volto, retomo lentamente o que ficou, aparentemente, abandonado. Na horta cresce muita erva mas no meio dela os frutos deliciosos que serviram o nosso almoço. Uma doce melancia com amoras silvestres, physalis e uma maçã, regadas com sumo de limão. Sim, continuo com este tipo de alimentação e vou muitas vezes encontrar inspiração no Diário de uma krud, como aconteceu com esta terrina-melancia.

Com o Verão e o sol só me apetece praia, mar, muito mar e muita música. Foi no Kabaret Patafísico que retomei o gosto de ouvir música. Comprei um mp3 pequenino, no tamanho e no preço, e com ele viajo para mundos distantes, principalmente no trabalho ":) Com o sol vem também a possibilidade de preparar alimentos para o inverno: pimentos a secar.

Cabacinhas ornamentais (Curcubita pepo), que nasceram espontâneas, para os meus projectos.

E a colheita de ontem: melancia, meloa, pepino, feijão de sequeiro, tomate, cebola e sementes de alho-francês. As abóboras são ainda do ano passado.

Um feliz encontro...


by Sonya Padraigín

Já passaram muitos dias. Tantos, que já perdi a conta. Não sei por onde caminho, pois não reconheço este lugar. Nem reconheço os cheiros nem as pessoas. Sinto-me cansada…. Foi um dia normal como tantos outros dias. Acordei e passei-me pela casa, tentanto encontrar alguém acordado. Que estranho! – penso eu. Não está ninguém na cozinha??? Ouço vozes ao longe e aproximo-me lentamente. Descubro que a familia está reunida na sala de jantar, aparentando uma expressão tensa no rosto. Sussuram. Ouço falarem no meu nome. De que falarão?

Dirigo-me ao quintal, para o meu passeio matinal. Gosto de explorar todos os cantos porque sou muito curiosa! Será que as ervas já cresceram? Será que o gato, meu vizinho, veio outra vez comer a minha comida? Perdida nos meus pensamentos, ouço chamar o meu nome. Corro de encontro à minha familia. Passeio!!! Vou passear!!! O pai está com a minha trela na mão e eu sou esperta o suficiente, para entender que hoje é dia de brincadeira no parque. Não reconheci o trajecto que fizémos, mas sei que seguimos numa direcção oposta à do parque. Depois de algum tempo, pararam o carro. Abriram a porta e obrigaram-me a sair. Como mais ninguém saía do carro, eu teimava em não querer sair. Seria um mau pressentimento do que viria a seguir? Com um brusco empurrão, afastaram-me do veículo, que rapidamente se pos em movimento. Corri atrás do carro, atrás da minha familia. Corri até não poder mais. O carro afastou-se rapidamente e deixou-me ali sozinha…

Foi um dia que amanheceu idêntico aos dias anteriores. Esta noite choveu. Choveu e fez frio. O  cartão onde me deitei ficou ensopado e o frio gelou-me os ossos. Mais uma noite passada sem dormir…De noite, fico alerta e não durmo. São tantos os perigos, os barulhos estranhos, as sombras, que o meu instinto de sobrevivência me impede de dormir. Tenho tanta fome! Quero voltar para casa, para a minha caminha. Porque me abandonaram aqui? O que foi que eu fiz? Terei me portado mal?

Vagueio pela cidade, que finalmente parece ter despertado. Pessoas, carros, movimento. Várias pessoas olham para mim de soslaio. Algumas afastam-se, com receio de mim.
Vou explorando os caixotes do lixo, a esta hora já vazios, na esperança de encontrar o que comer. Ultimamente, o cansaço pesa-me o corpo. Pesa-me tanto, que me encosto a um canto para recuperar forças. Tento dormir um pouco para que o tempo passe mais depressa. Talvez assim custe menos. Talvez tudo isto não passe de um sonho mau. Talvez, se eu adormecer, acorde novamente na minha caminha. Talvez…

Dormi algumas horas e acordei sobressaltada. Deambulo pelas ruas da cidade, à procura da minha familia. Ultimamente descobri que o metro é um local de passagem de muitas pessoas. Tantas pessoas se cruzam comigo. E eu? Eu sinto-me invisivel. Depois de um bom par de horas à porta do metro, é tempo de procurar um local para pernoitar esta noite. Caminho, enfraquecida pela vida que tenho levado. Caminho, sem ter um destino certo. É então que a vejo. Será que ela também irá reparar em mim ou fingir que não me vê? Ela passou por mim e seguiu o seu caminho. Reparo que ela parou, do outro lado da estrada, a observar-me. Porque olha tanto para mim? Descubro que está à espera de me ver atravessar a estrada em segurança. Nós temos de ter muito cuidado. Os condutores pensam que nós estamos atentos e que nos desviamos dos carros em movimento. Mas, por estarmos tão enfraquecidos pela fome, pelo frio e pela tristeza que nos consome a alma, nem sempre somos perspicazes o suficiente para fugir aos carros. E tantas vezes damos o nosso último suspiro ali, deitados no asfalto….
Desvio-me a tempo, de um carro que vinha em velocidade, e chego em segurança ao passeio.
Ela. Ela continua a andar.

Sinto que ela reparou em mim e que está a atrasar o passo, propositadamente. Cada vez mais.
Cruzamos olhares. Nós, os cães, distinguimos quem gosta de nós só pelo olhar.
Ela gosta de mim!!! Tenho de fazer qualquer coisa para lhe chamar a atenção. E assim, aproveitei o momento em que ela parou para ler um qualquer papel afixado na montra de uma loja e fiz a única coisa de que me lembrei: deitei-me a seus pés.
Recordo-me da expressão preocupada que fez. Sentou-se no degrau de um prédio e eu deitei-me a seu lado, sem forças para me levantar, sem forças sequer para lhe mostrar como me sentia feliz por a ter encontrado. Observo-a de telemovel na mão. Parece angustiada e eu ouço-a a  contar o nosso encontro.
Com o desespero, começa a chorar. Aparecem algumas pessoas e a estória é repetida vezes sem conta.
Eu estou deitada porque me sinto cansada demais. Cansada de não comer. Cansada de não dormir. Cansada de viver. Para morrer, prefiro morrer nos braços de alguém que goste de mim. Não quero morrer na rua. Sozinha. Ela levanta-se e enxuga as lágrimas. Reparo que levanta o braço e açena para alguém. Um carro pára ao pé de nós. De dentro dele sai uma senhora. Reconheço a luz que emana dela! Como à pouco referi, nós, os cães, reconhecemos a bondade das pessoas. Ou a falta dela. E o olhar desta senhora é muito bondoso…Aproximou-se de mim, falou comigo, fez-me festas. Eu apenas consegui dar-lhe algumas lambidelas nas mãos.

Ouço-as a falarem, uma com a outra. A M. pega-me ao colo e leva-me para o carro. Eu vou sentadinha ao colo da S.. Não sei explicar mas sinto-me segura com estas pessoas. Por isso estou quietinha e até descanso o meu focinhito no braço da S. Chegámos a uma casa de familia. CASA! É bom pensar na ideia de ter um lar. De ter uma familia que goste de nós. A M. leva-me ao colo, porque me sinto cansada. A S. abre o portão e aparecem duas manas desvairadas que, com a surpresa de ver uma estranha no seu território, me atiram ao chão. Não me conhecem e estão desconfiadas. A mana maior atira-se a mim, e rebolamos as duas, entre os gritos assustados da M. e da S. Felizmente a M. consegue agarrar a mana grande e prende-a dentro de casa. Eu, assustada, salto para o colinho da S., onde me sinto em segurança.

Levam-me para dentro de casa e conduzem-me ao escritório. Estou assustada e sem forças. Deixo-me ficar prostada no chão. Passado alguns minutos, lá aparece a M. com a mana grande presa pela trela.
É tempo de apresentações! Cheiramo-nos, uma à outra, e tornamo-nos a cheirar. A mana grande parece desconfiada e persegue-me pelas divisões da casa, querendo me conhecer. Eu, deixo-me conhecer.
Vou-me ambientando. A mana pequenina gosta de mim e tenta brincar comigo. A mana grande já começa a abanar o rabito, enquanto teima em continuar a cheirar-me. Já não parece estar zangada. Mais tarde apareceu o D. e fez-me muitas festinhas. Também ele apresenta o tal brilho que só as pessoas de bem emanam. Sinto-me suficientemente segura para começar a explorar a casa. Até sou atrevida e tento ocupar um lugar bem pertinho da M. e do D. A mana maior parece não me ligar nenhuma. Estou quietinha. Enquanto os três conversam, eu deixo-me adormecer com a cabecinha pousada no joelho da S. Sinto-me segura.

Olha, uma cama!!! Como eu gosto de camas! Alguém está deitado na cama e eu aproximo-me em “patinhas de lã” para tentar subir para cima da cama. Não me deixam, é claro. Somos três meninas e cinco na cama já são uma multidão! A M., calculando que que queria mimo, põe um pé fora da cama para me tocar e me fazer sentir acompanhada. Eu, que sou muito travessa, aproveito o buraquito deixado pelo lençol levantado, e tento esgueirar-me para debaixo do lençol. Pouca sorte, a minha!. A M. não estava a dormir e teve de me afastar e me explicar que não podemos dormir todos na mesma cama. Assim, como sou uma menina bem comportada, deito-me junto da mesa de cabeceira e adormeço rapidamente. Sinto-me segura. Sinto-me feliz porque sei que estas pessoas são diferentes e gostam muito de mim.

Chega o dia seguinte. Acordo cheia de energia. A M. está a preparar-se para ir trabalhar, calculo eu. Prepara as nossas refeições da manhã e eu, como sou muito atrevida, tento ir comer a ração da mana pequena. A mana grande, zangada, mostrou-me a dentuça. Só então percebo que existe uma regra: a primeira a comer é a mana pequena, depois segue-se a mana grande e, por fim, estou eu.
Passei o dia a brincar e a disfrutar da relva e do sol. De vez em quando, lá vem a mana cheirona dar-me mais algumas cheiradelas. Todas nós reconhecemos o som do carro que está a estacionar. A M. chegou a casa! E vem acompanhada da S.! Assim que as duas abrem o portão, as três fazemos uma festa e mostramos a nossa alegria com muitas lambidelas e alguns saltos mortais pelo meio.
Depois de muitos saltos, muita festa e muitos beijinhos de todas nós as três, a M. coloca-me a trela e leva-me para o carro. Mais uma vez porto-me muito bem, sentadinha ao colo da S. Chegamos à clinica veterinária, onde a R. nos aguarda. Conduzem-me à doutora que, mais uma vez, recebe várias lambidelas minhas. Tenho muitas lambidelas para distribuir a quem as queira!

Ouço a doutora dizer que sou uma menina ainda pequenita. Terei cerca de um ano, ano e meio. Aparento estar bem tratada, apesar de estar a viver na rua. A doutora afirma que eu não devo estar à demasiado tempo na rua, porque aparento estar bem cuidada, ainda que cheia de pó. A doutora quer observar-me e eu atrapalho-a com os meus beijinhos. Limpam-me os ouvidos e tiram-me duas carraças. As carraças não são minhas manas porque me mordem. Prefiro que estejam longe de mim. Ufa!!! Que alivio!!! Dão-me um comprimido, que soube ser um desparasitante interno. Estou feliz e curiosa com tudo o que me rodeia. Se me deixassem, explorava toda a clínica! Mas não me deixam, é claro.

Regresso a casa com a M, a S. e a R. Rapidamente percebo que elas têm um objectivo em mente: dar-me um banho! Brrrrrrr! Não gosto nada de banhos e imagino que a água esteja fria. Nada disso.
Levam-me para a banheira e dão-me um banho com água quentinha. Ainda assim, e como não estou habituada à agua, são precisas as três para me segurarem, numa dança coordenada de mãos. Uma segura-me, outra esfrega-me com champoo, outra deita água quentinha. Rapidamente me apercebo que estas massagens são muito boas! E assim, deixo-me esfregar da cabeça à cauda. Hi, hi, hi, hi…sabe bem! Esfregam-me bem, falam comigo e suam as estopinhas! Pensando bem, eu diria que elas a três é que precisam de uma bela banhoca! Findo o banho, sinto um momento de silencio e uma troca de olhares entre as três. De repente, fogem todas da casa de banho. Estão a fugir, porquê? Eu quero continuar a brincar! Ahhhh, agora entendi. Estavam a fugir da molha extra que nós, cães, damos quando nos sacudimos! Regressam novamente à casa de banho e, sem me dar conta, sou envolta em toalhas. Secam-me e dão-me beijinhos. Estou lavadinha, sequinha e cheirosa. E feliz! Estou tão feliz!
À hora do jantar, a mana velha cheirona volta a ralhar comigo. Eu tenho de aprender a ser paciente e a esperar a minha vez. Desculpa! Não volto a ser atrevida!
Amanhece outro dia.

A M. e o D. preparam-se para ir trabalhar, rotina diária dos humanos.
O pequeno-almoço é novamente marcado por discussão. Eu continuo a ser impulsiva e a teimar em ser a primeira a comer. Eles não sabem o porquê! Na verdade, acho que tenho medo de ficar sem o que comer. Na rua, lá por onde vivi, tínhamos de nos apressar sempre que encontrávamos algum pedaço de alimento, não fosse aquele ser cobiçado por algum dos muitos animais errantes, como eu fui.
A mana maior decide que já é tempo de me educar. Tenho de aprender a respeitar o meu lugar na hierarquia da familia canina.

De volta à segurança de um lar, sinto a felicidade de ter uma familia.
Esta é uma estória verídica contada pela pessoa que me encontrou.
A felicidade por me terem encontrado não apaga a dúvida de, eventualmente, eu poder pertencer a alguém que me tenha perdido. Assim sendo, já estou colocada num anúncio, de animais encontrados.
Se a minha familia aparecer, terá de provar (e bem) os laços que nos unem.
Se ninguém aparecer para me reclamar, pouco me importa. Encontrei a minha familia.
A verdadeira familia é aquela que nos cria, nos educa, nos acarinha e nos dá amor. E esta eu já encontrei. Aqui, eu sou feliz.
Deram-me o nome de Zuky.